Não regressar à iniquidade quando a educação voltar ao “normal”
14 Apr 2020
As implicações sociais do encerramento das escolas, que afeta, segundo a UNESCO, 188 países, têm sido amplamente discutidas pelas instituições internacionais, como tem feito a rede Eurydice, criada em 1980, pela Comissão Europeia e os Estados Membros para apoiar a cooperação europeia na área da educação.
Especialistas reunidos num fórum de debate promovido pela Eurydice asseguram que “um grande número de sistemas educativos já antecipou que os alunos desfavorecidos vão ter dificuldades em se adaptar à realidade atual, com menos acesso a materiais de aprendizagem, incluindo a plataformas online, e menos apoio”.
Com um final de ano letivo que, ao que tudo indica, será em casa, “alguns pais não vão conseguir apoiar efetivamente a aprendizagem dos seus filhos e isto, sem dúvida, vai exacerbar os efeitos da desigualdade educativa”, alertam. Andreas Schleicher, diretor do departamento de Educação e Competências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), tem a mesma opinião.
“Esta crise expõe as muitas iniquidades dos nossos sistemas educativos, desde a banda larga até aos computadores necessários para a educação online, passando pelos ambientes de apoio familiar necessários ao foco na aprendizagem, culminando no nosso fracasso para atrair os melhores professores para as salas de aula mais desafiadoras.”
Por outro lado, Andreas Schleicher, argumenta também que “o momento atual encerra a oportunidade de não regressarmos à iniquidade quando a situação voltar ao normal”.
No artigo de opinião “How can teachers and school systems respond to the COVID-19 pandemic? Some lessons from TALIS” defende que o impacto do encerramento de escolas pode ser mitigado para alunos, famílias e educadores, sobretudo para os grupos mais marginalizados. Grupos que podem não ter acesso a recursos educativos digitais, mas aos quais poderá também “faltar resiliência e o envolvimento necessário para aprender por conta própria”, refere o diretor educativo da OCDE.
Como mitigar o impacto? Para Andreas Schleicher a resposta está na cooperação internacional para a criação de plataformas comuns de acesso livre a recursos e plataformas educativas online. Diz que é preciso encorajar as empresas na área da tecnologia a participar desse esforço. E, promover maior colaboração além-fronteiras entre professores.
O exemplo que vem da China
O diretor do departamento de Educação e Competências da OCDE explica como o sistema educativo chinês respondeu aos desafios colocados pela pandemia covid-19. “Foi dada a prioridade às escolas, apesar dos limitados recursos financeiros nacionais.”
Andreas Schleicher relata que a 17 de fevereiro era criada uma plataforma nacional “nuvem” com recursos digitais gratuitos para alunos de todo o país. 7 mil servidores e uma largura de banda de 90 terabytes acomodavam 50 milhões de alunos em simultâneo. Além do Governo, outras entidades colaboraram para fornecer Wi-Fi e dispositivos gratuitos para estudantes, e sistemas de ensino inovadores para professores e escolas.
Mas não bastou a oferta tecnológica: “É importante ressaltar que os professores estavam prontos e puderam conectar-se com os alunos remotamente, tanto de forma síncrona para palestras e apoio individual, como de forma assíncrona, oferecendo recursos online para a aprendizagem autodirecionada”, refere Andreas Schleicher.
Esta mobilização, refere o responsável máximo pelos testes do PISA, não esqueceu os alunos sem acesso a recursos digitais. “Em muitos lugares, os pais puderam ir buscar à escola livros didáticos gratuitos das escolas ou pedir às escolas que os entregassem em casa.”
Até meados de abril a China retomará de forma gradual as aulas presenciais. Mas no resto do mundo as escolas continuam fechadas.
Tecnologia e escolas, e agora?
Os dados do TALIS dão uma ideia do desafio que enfrentam tanto os professores, como os diretores de escola. Pelo menos ao nível do 3.º ciclo do ensino básico dos 48 países participantes neste estudo. E apesar das informações datarem de 2018, antes da crise provocada pela pandemia do covid-19.
Das informações do estudo, depreende-se que muitas escolas estão minimamente equipadas com a tecnologia que permite o ensino à distância. No entanto, um quarto dos diretores de escolas da OCDE disse que a escassez ou a inadequação da tecnologia digital dificultava bastante o ensino. Um número que variou de 2% em Singapura, a 30% na França e Itália, e a mais de 80% no Vietname.
Mas, para Andreas Schleicher, “estes números podem até estar a subestimar o problema”. Pela simples razão de que “nem todos os diretores estarão cientes das oportunidades que a tecnologia moderna pode oferecer para o ensino”.
Diz também o TALIS que apenas 53% dos professores deixam os alunos usarem com frequência as TIC para projetos ou trabalhos nas aulas. Em países, como a Dinamarca e na Nova Zelândia, são 80% ou mais. Finlândia, Israel e Roménia viram esses números mais do que duplicar nos cinco anos anteriores à pesquisa. “Então, o cenário pode agora ser diferente”, alerta.
Entre os temas do TALIS que podem interessar na análise à forma como as escolas se estão a adaptar ao ensino remoto está o de saber quem são os professores que usam a tecnologia com mais frequência na sala de aula.
Não são apenas os professores mais jovens; são também aqueles que tiveram formação formal na área das tecnologias. Contudo, apenas 60% dos professores disseram ter feito formação profissional em TIC no ano anterior à pesquisa; enquanto 18% confessaram ter uma grande necessidade formação nessa área.
“Mesmo com as escolas fechadas, a tecnologia permite colmatar algumas lacunas formativas através da formação online – algo que 36% dos professores inquiridos no TALIS já fazem”, reflete Andreas Schleicher. Ou seja, a tecnologia não serve apenas para mudar os métodos de ensino.
“A tecnologia pode elevar o professor de transmissor a co-criador de conhecimento. E tornar os alunos participantes ativos na aprendizagem.” Precisamente as ferramentas de ensino necessárias para o século XXI.